O BLOG DA OPINIÃO BEM TEMPERADA

domingo, 23 de agosto de 2009

Globo x Record: o caldo de cultura da corrupção


Há dias atrás, recebi um e-mail de um amigo. Ele fez menção à briga entre as Redes Globo e Record com a troca de acusações nos telesjornais do horário nobre. "Eu acho que nesta briga não tem mocinho!", afirmou ele. Ele dá a entender que a mistura entre religião, dinheiro, mídia televisiva, radiofônica e escrita que existe na Record do "bispo" Edir Macedo caracterizaria o que chamo de "corrupção idiossincrática" (para os leigos é aquela que se caracteriza na medida em que desrespeita a lei, os bons costumes, a ética e a moral e é idiossincrática na medida em que reage em consonância com suas convicções viciadas pelo despreso ao ordenamento da vida socieal). Em verdade, não acho apropriado empregar o termo corrupto para qualificar o sentimento religioso mesmo porque entendo que no estado democrático de direito, a liberdade religiosa é condição essencial. O problema é que no caso da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) que é a instituição controladora da Rede Record, existe mais negócio que religião. Ou por outra, existe tão somente interesses visando lucro e acumulação de riqueza.

Tudo indica que a briga entre as duas redes de televisão está centrada na disputa pela tele-audiência. Enquanto a Globo não se viu ameaçada na liderança do chamado Ibope, não havia motivo para entreveros. Mas, a equipe do "bispo" Macedo parece competente, e tem feito um trabalho capaz de ameaçar a liderança "global". Em primeiro lugar, foi feito um trabalho de reequipamento da Record que, em termos tecnológicos, nada deixa a desejar à parafernália técnico-televisiva da Rede Globo. Pior ainda: a Record tem investido no segmento da programação mais cara à Globo que são as novelas e está cada vez obtendo bons resultados. Outro ponto a despertar o rancor "global" foi a constituição da Record News, o canal de notícias 24 horas.

Para ser mais atrevida, a emissora de notícias do "bispo" foi lançada como "aberta", ou seja, tira toda a vantagem da Globo News e da Band News que são canais de notícias "fechados" que só são captados em pacotes de televisão por assinatura. A competência dos evangélicos com a Record News é notória, pois em termos tecnológicos e de programação supera as concorrentes. Tenho antena parabólica na minha residência e a Record News é um dos canais que mais me atrai a tele-audiência. Na programação das duas redes, tem horários em que a qualidade da Record bate de longe a da Globo como nas noites de domingo em que uma está com o Programa de Domingo e a outra está com o Fantástico que erroneamente recorre à teledramaturgia para um programa cujo público, nas noites domingueiras, não é noveleiro.

Não considero apropriado qualificar a Record como resultado da gestão exitosa da vulnerabilidade corrupto-idiossincrática do crente da igreja da Universal. Todo crente, seja ele evangélico, católico, espírita, judeu, budista, está sujeito a ser explorado e contribuir para distorções como a pedofilia e o homossexualismo na Igreja Católica.

Sem dúvida, está provado que a exploração da fragilidade corrupto-idiossincrática do crente que contribui compulsivamente com dízimos para IURD permitiu que os "bispos" construíssem um verdadeiro império multinacional. Esta realidade deveria ser motivo de ação do Ministério Público já que a exploração de canal de televisão é uma concessão pública e não poderia ser utilizada para o engodo público contribuinte ou de fiéis evangélicos. É por isso que tenho me manifestado quanto à ilegalidade da concessão de canais de televisão ou frequência de rádio para exploração de organizações confessionais de cunho religioso. A mistura de política, religião dinheiro e concessão de rádio e televisão já está comprovadamente caracterizada como danosa ao interesse público e, conseqüentemente, deveria ser coibida.

PS: Chamo atenção para o professoral artigo do prof. Celso Lafer abaixo transcrito em que a palavra corrupção é definida na sua origem, na sua operacionalidade e nas suas deletérias conseqüências para a sociedade. É um texto que cada cidadão deveria ler e sobre ele meditar.

CORRUPÇÃO

Celso Lafer


A palavra corrupção vem do latim, do verbo corrumpere. O significado originário da palavra é o de estragar, decompor. Na filosofia aristotélica é uma das espécies de movimento que levam à destruição da substância. Políbio, tratando dos modos pelos quais os regimes políticos mudam e, por isso, alteram a sua substância por obra do movimento da corrupção, recorre a uma metáfora esclarecedora. Indica que a corrupção, nos regimes políticos, exerce papel semelhante ao da ferrugem em relação ao ferro ou ao dos cupins em relação à madeira: é um agente de decomposição da substância das instituições públicas.

Valendo-se da "lição dos clássicos", Michelangelo Bovero, ao pensar problemas da política contemporânea, aponta os riscos do movimento da corrupção. Um dos mais significativos é o de favorecer uma kakistocracia, literalmente o governo dos piores, que abre espaço tanto para a demagogia do pão e circo quanto para a plutocracia, na qual prevalece a influência do dinheiro na gestão governamental.

Faço essas rápidas remissões à teoria política com o objetivo de realçar que o tema da corrupção vai além da transgressiva conduta individual de pessoas em esferas e rincões da vida nacional. Transcende, igualmente, a dimensão técnica do elenco de crimes contra a administração pública, tipificados na legislação penal e voltados para apenar as múltiplas formas de ilícitos de que se reveste a corrupção (peculato, concussão, prevaricação, tráfico de influência, etc.). É um sério problema de profundo alcance político. Enseja o que Raymond Aron chama de corrupção do espírito público.

A corrupção do espírito público mina a confiança das pessoas nas instituições democráticas, que nelas não vislumbram uma postura efetivamente voltada para o interesse comum. Com efeito, a corrupção é o cupim que está decompondo as aspirações republicanas consagradas na Constituição de 1988, pois a res publica - o bem comum - está sendo confundida, e não diferenciada, como na formulação de Cícero, do bem privado (res privata), do bem doméstico (res domestica) e do bem familiar (res famialiaris).

Realço o que isso significa nos dias de hoje, pois o declínio de políticas ideológicas e a complexidade dos assuntos que são da responsabilidade de um governo fazem da credibilidade um elemento fundamental da governança. A corrupção é um redutor da confiança na classe política, nas instituições e nos partidos, que tem, assim, consequências para o bom funcionamento do sistema político, pois cupiniza o seu capital simbólico.

Gianfranco Pasquino caracteriza a corrupção política como a prática de comportamentos incompatíveis com as normas que, em consonância com os valores maiores da sociedade, regulam o exercício legítimo do poder na esfera pública. Uma medida da corrupção política é a dada por todas aquelas ações ou omissões dos detentores do poder político que violam normas jurídicas gerais para perseguir interesses e vantagens particulares. Lembro que uma das virtudes do Estado Democrático de Direito é o respeito às leis e, muito especialmente, à Constituição, e uma dimensão da falta de virtude é a complacência no afrouxamento da sua força obrigatória.

Na Constituição de 1988 o artigo 37 é um paradigma de normas jurídicas gerais que regulam o exercício legítimo do poder na esfera pública. Estabelece os princípios a que a administração pública deve obedecer. Destaco o da legalidade, o da impessoalidade, o da moralidade e o da publicidade como os mais pertinentes no trato da corrupção, pois assentam os padrões de conduta que dão a vis directiva do interesse público.

O princípio da legalidade afirma que a atividade administrativa se rege pelo atendimento das normas jurídicas com base na lei, cuja finalidade é sempre a presunção do interesse público. O princípio, que fundamenta o Estado Democrático de Direito, está voltado para embargar os ilícitos da corrupção provenientes dos desmandos e favoritismos no exercício do poder.

O princípio da impessoalidade assevera que a administração pública deve tratar a todos sem distinções, em obediência ao republicano princípio da igualdade. O clientelismo das nomeações, o compadrio, o favorecimento da família, em síntese, as modalidades de corrupção provenientes da confusão entre o público e o privado, entre a Casa e a Rua - para lembrar a formulação de Roberto DaMatta - são alvos desse princípio.

O princípio da moralidade aponta para o fato de que o direito, como a disciplina da convivência humana, sempre tem como piso um mínimo ético. O princípio é a cobertura axiológica da boa-fé e da confiança que deve cercar, na relação governantes-governados, a aquisição e o exercício do poder. Por isso adensa o conteúdo jurídico das normas, cuja inobservância configura a improbidade administrativa como modalidade de corrupção que propicia a associação ilícita entre o dinheiro e o poder.

O princípio da publicidade parte de um pressuposto essencial da democracia: o público, por ser o comum a todos, deve ser do conhecimento de todos, e não ser guardado em sigilo nas arcas do Estado. A transparência propiciada pela publicidade e fortalecida pela liberdade de expressão dá aos governados condição de controle da ação dos governantes. No plano ético, está voltado para embargar as modalidades da corrupção que se escondem no criptogoverno de atividades e atos secretos, que não passam pelo teste da moralidade oferecida pelo sol da publicidade. Como dizia Machado de Assis, "corrupção escondida vale tanto como pública; a diferença é que não fede".

Neste momento, no Brasil, para a cidadania, o cheiro está insuportável.

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Celso Lafer, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi ministro das Relações Exteriores no governo FHC.



Postado por: Enrico Cardi

2 comentários:

  1. johny vou comentar em breve, assunto abordado muito interessante, atul e polêmico vai dar o que falar (pano pra manga rs vamos mandar para galera).

    Abraços

    johny Barile

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  2. bom ... A TV brasileira é uma desgraça Corrupta safada e Manipuladora!!

    so isso que tenho p falar !

    e estou de volta !!

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